Nos programas intergeracionais, a atividade é meio de interação e de convívio e não um fim em si mesma. No caso do livro “Intergeracionalidade: cartas na mesa”, o processo foi a elaboração e a troca de correspondências entre crianças e idosos. Divina escolheu uma atividade envolvendo alunos e professores, fazendo-nos lembrar da importância da educação das novas gerações para a questão do envelhecimento.
José Carlos Ferrigno
Atividades, projetos e programas intergeracionais têm se multiplicado dentro e fora do Brasil desde os anos 90, a partir da percepção de que a aproximação de velhos e jovens pode se constituir como uma resposta ao distanciamento, ou até mesmo aos conflitos, entre gerações. O tempo dirá sobre a eficácia de tais iniciativas. O ideal é que no futuro ações dessa natureza não sejam mais tão necessárias, na medida em que recuperarmos o vigor da vida comunitária (se o recuperarmos). As perspectivas desses programas são promissoras, ajudam a aproximar pessoas, diminuindo a desconfiança, a prevenção, o preconceito.
Portanto, o bom convívio entre pais e filhos, avós e netos, enfim, de velhos e moços dentro e fora de uma família, depende da transformação das estruturas econômicas e de suas superestruturas políticas. Inegavelmente, tal processo de transformação passa pela educação das novas gerações, desde a mais precoce idade.
As ações intergeracionais também podem e devem ser entendidas como formas aliadas de combate às discriminações ao “diferente”, perfilando-se ao lado das mobilizações contra o preconceito à mulher, ao negro, ao homossexual, ao imigrante etc. De fato, tanto o velho quanto a criança e o adolescente não são devidamente respeitadas em seus direitos e na expressão de seus desejos e potencialidades. Mas, felizmente, há resistência a essa opressão. É bom lembrar Simone de Beauvoir quando ela nos fala da salutar cumplicidade de avós e netos na resistência às imposições do dono e da dona de casa, a chamada geração intermediária, frequentemente detentora do poder econômico e psicológico no ambiente familiar. Também, por isso, a solidária relação avós e netos é especial em nosso contexto capitalista, marcado, via de regra, pela competição, pelo individualismo e pelo consumismo.
Quando o diálogo entre gerações é estimulado, abre-se a luminosa possibilidade da chamada coeducação caracterizada pela troca de experiências de vida. Em minhas pesquisas, pude sistematizar algumas modalidades de conhecimento que os velhos oferecem aos jovens, desde que tenham oportunidade para isso, a saber:
1) histórias da família, do bairro, da cidade, do país, fornecendo aos jovens a oportunidade de conhecerem suas origens e de se apropriarem da cultura de sua gente;
2) valores éticos, como honestidade, solidariedade e compaixão que devem ser perenemente conservados, por serem premissas do processo civilizador e, sem os quais, abre-se a barbárie nas relações sociais;
3) saberes práticos do cotidiano no contato com a natureza, com as coisas e pessoas, como habilidades para construções, consertos e reformas (receitas culinárias, remédios naturais, artesanato etc.); e
4) informações e modelos de como enfrentar a velhice, a doença e a morte, ou seja, uma educação para o envelhecimento.
Reciprocamente, é possível constatar que os jovens têm muito a ensinar aos idosos, como: 1) uma educação para novas tecnologias; e 2) uma maior flexibilidade de comportamentos, de acordo com os novos valores morais, em um processo educativo para os novos tempos. Nesse sentido, os jovens ajudam a derrubar tabus e ideias ultrapassadas. Portanto, podemos falar de uma coeducação de gerações como uma das metas a serem perseguidas nas experiências de aproximação intergeracional.
Nesse sentido, os jovens ajudam a derrubar tabus e ideias ultrapassadas. Portanto, podemos falar de uma coeducação de gerações como uma das metas a serem perseguidas nas experiências de aproximação intergeracional.
A aproximação de idosos e crianças é, sem dúvida, algo muito bem-vindo. Daí a expressiva relevância da pesquisa de Divina dos Santos, relatada neste livro. Sabemos que o pesquisador deve ser alguém sensível e, sensibilidade, Divina tem de sobra. Demonstrou envolvimento e adesão à causa de seus sujeitos de pesquisa. Comoveu-se com os depoimentos de crianças e idosos, plenos de suas expectativas, frustrações e esperanças. Divina, de modo oportuno, nos alerta para o valor da empatia, pois devemos nos esforçar para entender o sentido que nossos sujeitos dão às suas vidas, escolhas, representações, desejos e posição no mundo, para sondarmos e descobrirmos algo dos profundos mistérios de nossa subjetividade.
Quando se trabalha com o objetivo da aproximação de pessoas marcadas pela diferença, no nosso caso a etária, o primeiro passo é buscar que se familiarizem umas com as outras. Nesse caminho as diferenças são paulatinamente conhecidas e, posteriormente, na melhor das circunstâncias, aceitas. O grau máximo desse processo é a admiração ao outro por ele possuir algo que me falta e daí desejar sua presença para que se dê essa complementação, dentro de um constante aprendizado.
Nos programas intergeracionais, a atividade, seja qual ela for, é meio de interação e de convívio e não um fim em si mesma. No caso de Divina, o processo foi a elaboração e a troca de correspondências entre crianças e idosos. Outro mérito de Divina foi o de escolher uma atividade envolvendo alunos e professores, fazendo-nos lembrar da importância da educação das novas gerações para a questão do envelhecimento.
Livro
Intergeracionalidade: Cartas na Mesa
Autora: Divina de Fátima dos Santos
430 páginas
Editora: Portal Edições Obs.: o livro será despachado a partir de 01/10, mas estará à venda durante a EXPO+FÓRUM DA LONGEVIDADE, no stand do Portal do Envelhecimento (corredor I), de 29/09 a 01/10: longevidade.com.br
Fuente: Portal do Envelhecimento – 10/09/2019
https://www.portaldoenvelhecimento.com.br/intergeracionalidade-cartas-na-mesa-novo-livro-da-portal-edicoes/