Reunião Regional da Sociedade Civil sobre Envelhecimento Madri + 10:
Do Plano à Ação - Escuela Social Juan XXIII
Costa Rica, 6, 7 e 8 de maio de 2012
DECLARAÇÃO DE TRES RÍOS, COSTA RICA*
Declaração da Sociedade Civil da América Latina e o Caribe sobre Envelhecimento
Nós, representantes de organizações sociais e de pessoas idosas, redes, organizações não-governamentais, da sociedade civil, de instituições religiosas e acadêmicas da América Latina e do Caribe, reunidos na cidade de Tres Ríos, Cantón de LA UNIÓN, na Costa Rica, em função do monitoramento do Plano de Ação Internacional de Madri e da Declaração de Brasília sobre Envelhecimento, depois da análise e discussão acerca da situação atual da população idosa na região e do grande desafio proposto pelo envelhecimento populacional, declaramos o seguinte:
Consideramos importante ressaltar os seguintes aspectos acerca da realidade latino-americana:
1. Os direitos das pessoas idosas seguem sendo vulnerados. No que tange a gestão relacionada à velhice e ao envelhecimento, há uma incoerência entre o discurso que enfatiza os direitos e o cumprimento dos mesmos. Nesse contexto, as pessoas idosas continuam sofrendo discriminações múltiplas, diferentes tipos de maltrato e violência, sujeitas a pobreza e a falta de acesso à justiça.
2. O enfoque de políticas e programas dirigidos às pessoas idosas não tem sido acompanhado do desenvolvimento de uma visão da velhice que dê conta da diversidade de formas de envelhecer. Este carece de perspectivas intergeracional e de gênero e precisa ainda tornar invisíveis as pessoas idosas da área rural, das áreas indígenas e as afrodescendentes.
3. As políticas de velhice carecem de prioridade e de orçamentos estatais e sustentáveis, o que por sua vez torna ineficaz sua efetivação e impede que se faça o acompanhamento e controle das mesmas.
4. Uma alta porcentagem da população carece de acesso ao trabalho formal digno e, em consequência, fica excluída da seguridade social e da possibilidade de contar com uma velhice digna. Naqueles países em que sistemas de pensão de capitalização individual têm sido instituídos, situações de desigualdade e iniquidade são geradas. Além disso, devem se considerar as incertezas frente aos riscos financeiros.
5. A persistência da reprodução estrutural da pobreza reafirma a desigualdade e iniquidade para todas as idades, assim como obriga as pessoas a continuarem trabalhando em idades avançadas, na maioria das vezes, em espaços informais e em condições precárias.
6. Os grupos conformados por pessoas idosas migrantes (incluídas aquelas sujeitas à migração forçada), refugiadas e de zonas fronteiriças continuam em especial condição de vulnerabilidade. As mudanças nas estruturas dos serviços de saúde e as formas de afiliação costumam limitar o acesso à atenção oportuna, deixando desatendidas até suas necessidades mais prioritárias. Tais grupos tampouco podem usufruir de outros benefícios da seguridade social.
7. Os serviços de saúde pública não levam em consideração as necessidades das pessoas idosas, o que se agrava devido ao incremento percentual e absoluto deste grupo, afetando de maneira direta a funcionalidade e a independência das pessoas idosas e, em consequência, incidindo em sua autonomia e economia familiar.
8. Na maioria de nossos países, o cuidado e a atenção às pessoas idosas recaem principalmente sobre as mulheres, muitas delas idosas, sem que se reconheça a contribuição delas para o acesso aos benefícios da seguridade social e demais programas do Estado.
9. A visibilidade e a identidade das pessoas idosas nos âmbitos da participação social, econômica e cultural são ainda muito incipientes e, em muitos casos, reduzem-se à qualidade de “beneficiário”, no contexto de programas de subsídios sociais do Estado.
10. As pessoas idosas seguem afetadas pela estigmatização da velhice e do envelhecimento em programas, serviços sociais e jurídicos, sendo desrespeitadas em sua autonomia e qualificadas como incapazes. Esta situação reforça uma imagem negativa da velhice, promovida especialmente por interesses de mercado.
11. A “institucionalização” em estabelecimentos de longa permanência sem o consentimento informado das pessoas idosas e sem os padrões de qualidade dos serviços constitui uma violação dos direitos humanos.
12. A lógica da economia mundial (políticas neoliberais) em um mundo de concentração da riqueza e globalização dos mercados contribui para uma distribuição desigual e para que as pessoas sejam vistas como uma carga para os Estados.
Levando em conta essas considerações, em que se ressaltam os aspectos mais determinantes, solicitamos aos governos e Estados que:
- Garantam o cumprimento da observação de número 6 da aplicação ao pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; a recomendação de número 27 da CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher); assim como o cumprimento da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento; da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e de outros instrumentos internacionais.
- Decidam na presente reunião dos governos da América Latina e do Caribe que as denominadas “Conferências Regionais Intergovernamentais sobre o Envelhecimento” passem a se chamar “Conferências Regionais Intergovernamentais sobre o Envelhecimento e sobre os Direitos das Pessoas Idosas”, sendo consequentes com o afirmado em sua Declaração de Brasília de 2007.
- Apoiem, informem e divulguem a toda a comunidade, em particular as pessoas idosas, acerca do desenvolvimento das propostas da Convenção Interamericana da OEA e a Convenção Internacional da ONU relativas à defesa dos direitos as pessoas idosas.
- Criem os mecanismos de participação das pessoas idosas como sujeitos de direitos, atores do desenvolvimento, com garantias e responsabilidades, com respeito a si mesmos e aos demais, fomentando seu empoderamento e integração aos distintos âmbitos da sociedade e da atuação humana, para que se transformem em agentes de mudança e protagonistas de seu processo de envelhecimento.
- Instituam políticas, programas e projetos que permitam a promoção e difusão dos saberes ancestrais e dos conhecimentos das pessoas idosas para promover a educação intercultural e sua transmissão às novas gerações, contribuindo para eliminar a atual visão negativa da velhice, gerando um novo paradigma.
- Reconheçam a interculturalidade como ferramenta que promova a relação dos povos e nações, que busque intercâmbio, reciprocidade voluntária e criativa, dentro de uma relação mútua, baseada no interesse de conhecer o outro e de estabelecer alianças solidárias.
- Garantam e promovam o reconhecimento e o exercício dos sistemas próprios de justiça para as pessoas idosas dos povos indígenas e afrodescendentes, respeitando suas visões e cosmovisões sobre identidade e valores culturais.
- Ajustem as políticas e os programas aos desafios da velhice e do envelhecimento, para que assim eles transcendam aos governos e as visões imediatistas e improvisadas, eliminando travas burocráticas e assegurando a efetivação oportuna das mesmas. Nessa medida, é imperativo criar as instituições e os mecanismos necessários para que tais diretrizes e ações se concretizem.
- Reorientem a atenção dada às necessidades das pessoas idosas às políticas de caráter universal e permanente, não limitando a ação do Estado às medidas de superação da pobreza.
- Garantam a seguridade social, desenvolvendo o sistema contributivo (tripartido) e não contributivo, valorizando as pessoas idosas como titular de seus direitos e promovendo a solidariedade intergeracional.
- Adéquem o acesso e a qualidade dos serviços de saúde às crescentes demandas relacionadas com o envelhecimento populacional e fortaleçam a atenção primária de saúde e a prática da medicina tradicional.
- Criem programas de atenção domiciliária em saúde, adequados às necessidades específicas de cada um dos países.
- Promovam leis para garantir a proteção do patrimônio das pessoas idosas.
- Assegurem que o direito à proteção e ao cuidado seja matéria de política pública e não simples obrigação das famílias e das mulheres, como se isso fosse “natural”. Que se conduzam serviços de apoio à família para assegurar o bem-estar e o respeito aos direitos humanos.
- Criem e/ou fortaleçam instâncias de defensoria das pessoas idosas.
- Garantam que as pessoas idosas participem dos processos decisórios sobre a destinação dos recursos públicos, especialmente os dos governos locais.
- Tornem efetivos mecanismos de participação autônoma das pessoas idosas na formulação e controle de políticas públicas relativas ao pleno gozo de seus direitos, facilitando o acesso à justiça.
- Estimulem as relações intergeracionais para superar as barreiras que fragmentam os grupos etários em nossas sociedades.
- Ofereçam às pessoas idosas acesso a habitação e que a mesma cumpra com os requisitos de acessibilidade.
- Destinem recursos e apoios para estimular a inserção das pessoas idosas nos espaços de ensino, criação cultural, desportivos, recreativos e da vida pública, contribuindo para a eliminação de estereótipos.
- Erradiquem o analfabetismo entre as pessoas idosas, tanto em lecto-escritura como o relacionado às novas tecnologias de informação.
- Incorporem o envelhecimento como matéria de ensino nos planos de estudo de todos os níveis do sistema educativo, construindo uma sociedade em que se elimine a discriminação por motivos de idade e se estimule a solidariedade e o apoio mútuo entre as gerações.
- Facilitem a atualização de conhecimentos sobre velhice e envelhecimento aos funcionários públicos e, em especial, aos trabalhadores da área da saúde, considerando os princípios fundamentais dos direitos humanos.
- Criem e apoiem a formação curricular nos temas de velhice e envelhecimento, com perspectiva de direitos humanos e de gênero, seja na graduação, pós-graduação ou na pesquisa.
- Definam e tornem efetivas as medidas necessárias para reparar de maneira integral as pessoas idosas vítimas de situações de maltrato, violência ou ações de negligência nos serviços de saúde.
- Garantam os direitos humanos e a qualidade de vida das pessoas que residem em instituições de longa permanência, com políticas que favoreçam e diversifiquem as modalidades de residência e dos serviços de atenção, protocolos de funcionamento, controle e vigilância social.
- Atendam as necessidades especiais das pessoas migrantes, aquelas sujeitas à migração forçada e as refugiadas, em especial as de idade avançada, definindo recursos e mecanismos necessários para sua proteção e a de suas famílias.
- Prestem mais atenção às pessoas idosas em situações de emergência provocadas por catástrofes naturais e as relativas aos conflitos armados.
- Reconheçam as organizações de pessoas idosas e as não-governamentais como interlocutores válidos e imprescindíveis nas sessões de políticas nacionais e internacionais que resultem no empreendimento de novas tarefas comuns na decisão de construir uma sociedade para todas as idades.
- Criem mecanismos que facilitem a integração e a participação das pessoas idosas no processo de avaliação do cumprimento dos Objetivos do Milênio.
- Exerçam o controle e a vigilância no que tange a inclusão dos desafios do envelhecimento populacional e os direitos humanos, especialmente das pessoas idosas dos países da América Latina e do Caribe, nas agendas das agências especializadas do sistema das Nações Unidas e de outras agências de cooperação internacional.
- Respondam a todas as petições pendentes apresentadas nas declarações das reuniões da sociedade civil dos anos de 2007 e 2009.
Nossos compromissos como sociedade civil da região são:
- Exigir e velar pelo respeito aos direitos humanos e pelo reconhecimento do papel das pessoas idosas como atores sociais.
- Participar de maneira permanente e ativa em cada um dos espaços que se proponham trabalhar a favor da recuperação dos direitos das pessoas mais velhas.
- Como cidadãos e cidadãs, nós nos propomos o desenvolvimento de ações e assumimos novos compromissos para a promoção e a educação, baseadas no respeito, no exercício pleno, na defesa integral dos direitos das pessoas idosas.
- Promover a inclusão do direito à cultura nas políticas públicas e, consequentemente, facilitar o acesso de todas as cidadãs e cidadãos ao usufruto dos bens culturais e patrimoniais.
- Promover e fortalecer a organização das pessoas idosas e o movimento da sociedade civil em torno da necessidade de envelhecer com direitos, fomentando de maneira especial sua participação ativa como sujeitos de direitos e protagonistas no desenvolvimento da região.
- Desenvolver, promover e tornar visível a perspectiva de gênero nos temas de envelhecimento.
- Promover a mobilização das pessoas idosas em ação conjunta com as gerações mais jovens para o direito ao desenvolvimento, à igualdade de direitos e à erradicação da pobreza.
- Buscar e reforçar alianças com os setores sociais que também advogam pelos direitos humanos, para promover a solidariedade com as pessoas idosas, assim como o compromisso delas com ouras reivindicações sociais.
- Promover que a cooperação entre as organizações não-governamentais e as associações das pessoas idosas esteja fundada em condições justas de reconhecimento ao valor do trabalho que elas brindam em contrapartida ao financiamento.
- Impulsionar a difusão dos resultados da reunião regional da sociedade civil e da presente declaração ao interior de nossos países, especialmente entre as pessoas idosas, organizações, instituições públicas e organismos de governos locais, responsáveis por instituir as políticas.
- Frente à urgência de propor a questão do envelhecimento nas pautas mundiais e regionais, nós nos comprometemos a viabilizar conferências e encontros e estarmos presentes neles, em especial na Conferência dos Povos da Rio +20 pela Justiça Social e Ambiental.
- Desenvolver ações que propendam à participação das pessoas idosas nos espaços de avaliação do cumprimento dos Objetivos do Milênio.
- Efetivar as ações propostas na Reunião Regional da Sociedade Civil, realizada em Tres Ríos, na Costa Rica.
- Entregar e apresentar esta Declaração da Reunião Regional da Sociedade Civil na III Conferência Intergovernamental dos Países da América Latina e do Caribe sobre Envelhecimento.
*Traducción del original en español realizada por Mauro Brigeiro, colaborador de la RLG, como aporte del Programa Regional Cáritas “Trabajo social a favor de lãs personas adultas mayores en América Latina y el Caribe” Cáritas-PRAM.