A Pastoral da Pessoa Idosa, através de seu representante Crismédio Neto, coordenador estadual em Alagoas, tem acento no Conselho Nacional da Pessoa Idosa, e sempre defende a implementação das leis e políticas públicas que beneficiam as pessoas idosas, principalmente as mais vulnerabilizadas. No I Seminário Internacional sobre Políticas de Cuidados de Longa Duração para Pessoas Idosas, nos dias 22 e 23 de outubro passado, foi construído um importante documento.
Reproduzimos abaixo o conteúdo da carta e pedimos que todos tomem conhecimento e compartilhe com os demais membros da Pastoral da Pessoa Idosa e idosos e famílias acompanhadas:
CARTA DE BRASÍLIA
Contribuições do I Seminário Internacional sobre Políticas de Cuidados de Longa Duração para Pessoas Idosas para subsidiar a construção de uma Política Nacional de Cuidados de Longa Duração para as Pessoas Idosas no Brasil.
O Ministério da Saúde, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS/OMS) organizaram o I Seminário Internacional sobre Políticas de Cuidado de Longa Duração para Pessoas Idosas no Brasil. O encontro ocorreu nos dias 22 e 23 de outubro de 2015, em Brasília, e reuniu 125 pessoas, entre representantes do Ministério da Saúde; do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; da Educação; do Trabalho e da Previdência Social; das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos; representantes do Poder Legislativo; da Sociedade Civil; do Controle Social; especialistas nacionais e internacionais; gestores e profissionais das Secretarias de Saúde e assistência social, de Estados, do Distrito Federal e de Municípios.
Com base nas apresentações e debates, os representantes das instituições e organizações presentes no encontro constatam que:
A proporção de idosos no Brasil ultrapassa 13,% da população com cerca de 26 milhões de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos (PNAD/IBGE, 2013). Nesse grupo o que mais expressivamente cresce é o grupo de idosos longevos (≥ 80 anos). A partir da segunda metade do século XX, a longevidade democratizou-se em grande parte dos países do mundo. Em 2013, a esperança de vida ao nascer era de 71 anos para os homens e 78,3 anos para as mulheres e, ao alcançar os 60 anos, essa esperança de vida é de mais 18,5 anos para os homens e de mais 24,5 anos para as mulheres, sendo possível aumentar ainda mais esse indicador.
Essa transição demográfica é acompanhada pela transição epidemiológica caracterizada pelo aumento progressivo da prevalência de doenças e agravos crônicos não transmissíveis, sendo a população idosa a mais exposta a essas condições onde se observa, na maioria, a presença de multimorbidades. Tais condições estão associadas à crescente demanda de cuidados que, com o aumento progressivo da expectativa de vida tenderá a compor um grupo que demandará, por muito tempo, tais cuidados.
Soma-se a isso a heterogeneidade do envelhecimento em todo o país, caracterizado, ainda, por importantes desigualdades sociais e regionais. As condições do curso de vida individual, em um determinado contexto socioeconômico e cultural, determinam ‘como uma pessoa idosa fica velha’.
Nesse contexto, o cuidado às pessoas com demência deve ser ressaltado, dado o aumento de sua incidência na população idosa mundial. Ela exige cuidados prolongados e específicos sendo que hoje, em nosso meio, são basicamente oferecidos pelas famílias, necessitando de maior apoio institucional e políticas específicas para esse fim.
De quem é a responsabilidade pelo cuidado dos idosos mais dependentes?
A Família é compreendida como a principal responsável pelo cuidado do idoso, junto com a sociedade e o Estado, conforme a legislação vigente (Constituição Federal de 1988, Política Nacional do Idoso de 1994 e Estatuto do Idoso de 2003). Nas últimas décadas, no entanto, ocorreram expressivas mudanças na estrutura familiar, tais como: a diminuição no tamanho das famílias decorrente da queda expressiva das taxas de fecundidade, diminuindo, assim, o potencial assistencial familiar; e a significativa inserção da mulher no mercado de trabalho, antes responsável pelo cuidado de idosos, crianças e doentes no ambiente domiciliar, alterando a tradição do cuidado até então instituído em nossa sociedade.
Além disso, outras mudanças na sociedade moderna, como novas configurações familiares, podem impactar o futuro do cuidado. O Estudo SABE (Saúde, Bem estar e Envelhecimento) já mostrou que as famílias no município de São Paulo não estão sendo capazes de suprir mais que 50% das demandas de cuidados de seus membros idosos, independente do arranjo considerado.
Conforme publicação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA,2010), em 2008, cerca de 3,2 milhões de idosos experimentavam dificuldades para as atividades básicas do cotidiano, necessitando de cuidados, em geral, cuidados ofertados por suas famílias, no espaço privado do domicílio. Até 2020, projeta-se que cerca de 4,5 milhões de idosos terão dificuldades para a realização de suas atividades cotidianas necessitando, portanto, de cuidado. É certo que a maior parcela desse cuidado ainda será responsabilidade da família, mas essa necessitará, também, de auxílio. Embora a provisão de cuidados pela família continue decrescendo, isto não significa reduzir a sua importância como cuidadora dos idosos dependentes. Significa uma nova divisão de trabalho e responsabilidade entre a família, o Estado e a sociedade.
É necessário ressaltar que quando um membro da família precisa de cuidados, a família também precisa de ajuda. Se a prioridade legal é manter o idoso na família, são necessárias políticas públicas de apoio, tendo em vista, muitas vezes, a impossibilidade da família em oferecer alimentação, higiene, medicamentos e presença adequados.
Atualmente, parece ser consenso entre os especialistas, que o melhor para os idosos frágeis seria receber os cuidados que necessitam em seus lares, dado que os custos do cuidado formal são, ainda, muito elevados. No entanto, isto significa assumir que os cuidadores familiares, especialmente as mulheres, não incorrem em custos financeiros ou emocionais para a provisão de cuidados. Quando o papel social da mulher muda, a oferta de cuidado, especialmente a familiar, pode ficar muito afetada.
Como o cuidado familiar é realizado no ambiente doméstico, isto o faz socialmente invisível, não é recompensado e não gera direitos sociais como o trabalho formal, considerado produtivo. Em geral, a maior participação feminina no mercado de trabalho aumenta a demanda por provisão de cuidado não familiar.
Em síntese, a demanda por cuidados está aumentando e a capacidade da família brasileira para cuidar de seus membros idosos mais dependentes está reduzindo, logo, é urgente se pensar em políticas de cuidados de longa duração.
O termo “cuidados de longa duração” é amplamente definido como um conjunto de cuidados de saúde, pessoais e de serviços sociais, geralmente fornecido ao longo de um período, para pessoas com condições crônicas e com limitações funcionais. Inclui também apoio material, instrumental e emocional, formal ou informalmente oferecido por um longo período de tempo a pessoas que o necessitam, independente da idade.
Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os cuidados de longa duração constituem uma variedade de serviços requeridos por pessoas com reduzido grau de capacidade funcional, física ou cognitiva, que as tornam dependentes de ajuda para as atividades de vida diária, por um período longo de tempo. Os cuidados de longa duração podem, também, ser combinados com outros serviços relacionados a cuidados domésticos ou para as atividades instrumentais de vida diária que garantiriam sua participação comunitária ativa. São oferecidos a pessoas com restrições funcionais que residem, principalmente, em seus domicílios.
Os cuidados de longa duração, também se aplicam ao uso, em termos temporários, de instituições que oferecem apoio para que as pessoas com restrições funcionais possam continuar a viver em casa, como centros comunitários, centros-dia e serviços de descanso do cuidador. Inclui também cuidados assistidos, adaptações e arranjos domésticos para pessoas que necessitam de ajuda de forma regular, garantindo maior grau de autonomia e gestão da própria vida.
Para a implantação dos referidos cuidados é necessário resignificar o papel protetivo da família no cuidado com o idoso e ampliar as ofertas públicas de serviços. Na esfera internacional, tem havido um consenso crescente de que o Estado também tem a obrigação de fornecer cuidados de longa duração e apoio social às pessoas com deficiências e pessoas idosas, conforme consta nas respectivas Convenções de Direitos Humanos. Isto é considerado um direito humano básico e tem sido formalizado em acordos internacionais.
No Brasil, uma política de cuidados de longa duração pode abarcar outros públicos em situação de dependência, para além das pessoas idosas, e deve ser construída como um direito social. No que tange a população idosa, tal política deve ser embasada nos Direitos Humanos e nos Direitos da Pessoa Idosa e ter como pressupostos: a articulação das ações e serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Sistema Único de Assistência social (SUAS), presentes nos territórios; o apoio ao cuidador familiar, com o fortalecimento do vínculo com a UBS, as ESF e serviços da assistência social; a instituição de estruturas intermediárias de cuidado previstas na Política Nacional do Idoso -PNI e na Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa -PNSPI; uma atuação sistematizada com o SUAS junto às ILPIs; a atuação no território com base no matriciamento orientado pela funcionalidade da pessoa idosa; o apoio à família; a utilização dos recursos da comunidade; pactuação das estratégias de incentivo para a gestão mapear, planejar e instituir a Política de Cuidados; e definir papeis e responsabilidades da equipe de saúde e assistência social segundo os tipos de apoio que podem ofertar.
É necessária, portanto, uma política transversal de cuidados de longa duração, envolvendo as políticas sociais e de saúde em conjunto com outros setores que venham a complementá-los como, por exemplo, habitação, previdência e educação. É necessária, assim, a garantia de recursos financeiros para o estabelecimento dessa política derivada de marco regulatório bem definido e específico para esse fim.
A operacionalização dessa política envolve uma rede formada por centros-dia, hospitais dia, centros de convivência; cuidado domiciliar formal; abrigo e residência assistida; clínicas geriátricas, leitos de cuidados prolongados, ILPIs , atenção domiciliar (melhor em casa), Estratégia de Saude da família, Núcleo de Apoio à Saúde da Família e outros “novos” serviços que atendam às “novas” demandas envolvendo os diferentes sistemas que necessitam trabalhar de forma complementar e integrada. Não se pode assumir que, com isso, o cuidado familiar poderá ou será minimizado.
Deve-se reconhecer a importância da família cuidadora, apoiá-la e compensá-la instituindo medidas de apoio e proteção ao cuidador familiar, tais como: capacitação, descanso, benefício monetário, inclusão no sistema de seguridade social, participação em grupos de apoio, entre outros.
Para a construção e implementação dessa política é necessário:
• Definir de que cuidado estamos falando e a quem se destina.
• Definir qual o tipo de cuidado que queremos estabelecer e como.
• Estabelecer como o poder público pode, de fato, cuidar dos idosos, de suas famílias e de outros responsáveis por seu cuidado.
É necessário garantir um sistema que contemple os tipos e frequências de cuidados e que:
• Tenha por base as necessidades da população a ser atendida;
• Conheça e se aproprie de experiências nacionais e internacionais que possam contribuir para a construção de um modelo único e adequado para a realidade brasileira;
• Tenha seu monitoramento e acompanhamento garantidos.
É necessário a Gestão e Financiamento transversais, os quais constituem importante desafio para o controle social. Assim, é preciso definir:
• Quem deverá coordenar e executar a política de cuidados de longa duração?
• Como se dará o seu financiamento, se as regras e gestão dos fundos de assistência social e saúde são próprias e específicas?
• Como se dará o controle social sobre a execução e o gasto público?
O Brasil possui um vasto arcabouço legal que assegura direitos, entre eles, o cuidado à pessoa idosa. É fundamental a efetivação das políticas de cuidados já
existentes, uma vez que seus resultados ainda se mostram insuficientes. Deste modo, uma Política de Cuidados de Longa Duração necessita ser urgentemente construída e implementada, em especial no que tange as pessoas idosas, deve garantir às mais fragilizadas a manutenção de sua dignidade e a garantia de assistência adequada e integral. Esta política deve ser construída de forma democrática e participativa, com a definição de princípios, diretrizes , objetivos, com o estabelecimento de competências claras e factíveis. Nessa construção também é necessário garantir a participação dos próprios idosos que são os que mais conhecem suas necessidades.
Para tanto, é essencial que seja uma política de Estado e não apenas uma política de governo. Seus indicadores devem ser mensuráveis de forma a serem
acompanhados e avaliados não só pelos gestores, mas, e principalmente, pela própria sociedade. Entende-se que a adequada construção da proposta da Política de Cuidados de Longa Duração necessita de um trabalho conjunto de diferentes atores sociais, gestores, controle social, pesquisadores e pessoas idosas. Propõe-se assim, a formação de um Grupo de Trabalho que, em prazo delimitado, construirá a proposta preliminar a ser colocada em consulta pública para ser complementada e, posteriormente, pactuada, publicada e implementada.
Assim, os participantes deste Seminário se comprometem a continuar o debate qualificado em prol da construção de uma Política Nacional de Cuidados de Longa Duração para Pessoas Idosas com base nos pressupostos aqui colocados.
Brasília, 23 de Outubro de 2015.
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